Foto de Elvin Ruiz no Unsplash

a imanência de um rio e as relações humanas

quem é Lucca?

gab
3 min readMar 19, 2019

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A água que escorre por entre os peixes, que escorrem por entre as águas, fluindo no caminho que segue o próprio movimento da vida. Maria Lucca bebia toda a água do copo para tentar acabar com a sede que a acompanhava desde que cruzou a ponte e viu peixes nadando em meio ao rio. Após beber até a penúltima gota do copo, larga ele na mesinha ao lado do sofá em que ela estava sentada. Deita lentamente a cabeça no colo de Janaína que acaricia os cabelos de Lucca, enquanto Maria pensa nos dedos de Janaína que deslizam por entre as linhas de seu corpo fragmentado. Lucca não entende Maria. Os dedos fluem por entre os cabelos, que fluem por entre os dedos. Maria não sabe quem é Lucca.

Quando Maria Lucca está quase dormindo, Janaína a chama para ir para seu quarto deitar-se na cama. Elas vão. Desnudam seu corpo de toda a roupa que carregam durante toda a vida, deitam-se frente a frente. Maria olha para os olhos de Janaína tão profundamente que enxerga o reflexo de Lucca e apaixona-se por si mesmo. Janaína une-se ao corpo de Maria Lucca e nesse momento não se pode mais diferenciar quem é quem. Maria beija a testa de Janaína que está dormindo ao seu lado. A imanência da cama que comporta multiversos e tempos. Vários mundos em uma só cama.

O vento sopra bem devagar compondo a trilha sonora de um quarto. A cama com dois corpos nus se tornando vários na criação de mundos interligados. O vento sopra um campo harmônico leve e sombrio. Os corpos sentem frio, e se abraçam até o suor deslizar com todas as verdades e certezas que ainda penetravam os poros de ambas. O abajur ainda está ligado, tudo está à meia luz. Janaína estica a mão até o abajur que fica do lado oposto da cama e, sem desconectar de Maria Lucca, desliga-o. Agora está quase tudo escuro, com exceção da lua que brilha e resplandece por todo o quarto.

Após um pesadelo, Janaína acorda e chora, chora muito. Maria Lucca não acorda, até ser acordada por um sussurro de Janaína, o máximo que ela conseguiu falar depois de cessar as lágrmas. Janaína sussurrou “Lucca, com o que você está sonhando?”. Maria Lucca responde: “eu não sei sonhar”. Elas se soltam e viram-se de costas.Maria Lucca levanta-se e vai até a janela para fechá-la e volta para a cama, mas deita-se virada para Janaína. Maria observa as costas de Janaína. Encontra duas cicatrizes na parte superior, paralelas, como se o que tivesse de um lado também estivesse do outro. Maria imagina Janaína com asas como se fosse um anjo. Abraça ela pelas costas e beija seu pescoço um pouco próximo da nuca. Janaína acorda. Maria Lucca segura o peito de Janaína com a mão direita. O calor aumenta.

Maria Lucca no momento se une ao corpo de Janaína, que se une ao corpo de Maria Lucca. Tudo ao mesmo tempo, em seu próprio ritmo. Somos um, vários outros. O momento mais efêmero, como outros momentos, tudo passa e fica, e passa. Você não pode entrar duas vezes no mesmo rio. Mas o quanto foi que esse rio me marcou? As marcas da efemeridade compõem o próprio eterno, que inclusive, é efêmero. Maria Lucca e Janaína são outras pessoas, que nem sabem quem são. Você não sabe quem é.

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gab

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